domingo, 20 de setembro de 2009

TRÊS MACACOS



A belíssima primeira sequência do filme, funcionando quase como se fossem frames fotográficos encadeados em sucessão, mostra um carro desaparecendo numa estrada pela noite, percorrendo a estrada e logo desaparecendo numa curva tornando-se um ponto no meio da tela para então ser digerido pelas trevas. À tela completamente negra sucede-se um ronco, um embate, um estrondo, uma travagem, um acaso. E é esse acidente que sucede então que vai precipitar toda a história que é contada no filme, contada no filme; a sua espinha dorsal é essa casualidade e o apontamento a negro só a acentua.

Agrada fazer o exercício de que um filme pode ser um objecto dinâmico em que consoante o que acontece, tudo a partir daí se altera sucessivamente, em efeito dominó; levando a que esse organismo vivo se altere e que percorra um caminho totalmente diverso do que estaria vaticinado à partida. Neste as primeiras cenas prenunciam a alteração a partir de um momento chave e é nesse momento charneira, nesse pivot, que tudo se altera condicionando o desenrolar seguinte.

Independentemente de ter sido ou não culpado do acidente, o político assume-se como tal ao deixar o local sem ter socorrido a vítima e vendo-se perante a possibilidade de ter de abdicar das suas ambições políticas, convence o seu motorista a tomar as culpas por si. Assim o parasita renova a sua pretensão e arrasta a família do seu assalariado no processo, pois esse passará nove meses encarcerado e a sua mulher e filho rumarão por um caminho que não era de todo o ideal e muitos menos o pretendido.

Neste belo filme turco de Nuri Bilge Ceylan de 2008 e que fez furor em Cannes, a parábola sino-nipónica que perpassa do titulado é a referência ao momento em que o motorista sai da prisão para descobrir que a mulher o trai com o patrão e que o filho abandonou os estudos e que se entregou à indigência. O silêncio que se instala dentro de casa é a ausência deles próprios e os gestos que não são desenhados são o desdém que se alojou e que teima em não se revelar por muito mais do que a sua própria inexistência e que relembra Antonioni e Bergman (em todo esse burilar na construção das personagens e no seu lento esboroar de gente).

Na sabedoria oriental os três macacos não viam, não olhavam e nem comentavam o mal e o mal tendo existido aqui, insistem os intervenientes na sua não existência, aceitando-se e conformando-se os sobreviventes em forma de recuperar algo que se perdeu num momento de uma noite. A sua complacência é uma derrota mas também se assume como uma vitória sobre o opressor.

Este é um filme de autor que nunca esperaria encontrar vindo daquelas margens do Mediterrâneo, pela qualidade na direcção de actores, na interpretação, no ritmo e carga psicológica envolvida e desenvolvida. Revelou um país desconhecido e um autor em crescimento a que merece dar atenção.


Classificação | 4 estrelas
Frase | Os sentidos jamais se acomodam, há que os deixar vogando.

Ler o resto da crítica na Take nº 11 em http://www.take.com.pt

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