domingo, 20 de setembro de 2009

RAPA NUI



Vi este filme porque se desenrola na e sobre o meu mais desejado destino de viagem, a ilha de Páscoa, no Oceano Pacífico e pertencente ao Chile. Eu tenho um fascínio especial por ilhas e ainda mais por ilhas que contêm uma civilização original que caminhou confinada rumo a uma avançada cultura. Desde a temporada nas Berlengas e a estadia continuada nas ilhas da Ria Formosa que o desejo veio crescendo e já não me chega apenas a acostagem a Almourol, ao Pessegueiro e ao Bugio. Eu quero Cuba, eu quero Mount Saint Michel na Normandia ou o Saint Michael Mount na Cornualha, eu quero Ilha de Moçambique, eu quero o Corvo, eu quero Gorée em Dakar e eu quero absolutamente a Ilha de Páscoa.

Graficamente chamada de Umbigo do Mundo (Rapa Nui) pelo claro isolamento e depois chamada de Páscoa pelos pouco originais e inexoráveis exploradores europeus, esta ilha que foi povoada por incansáveis povos polinésios criou uma alta cultura alicerçada em fortes crenças religiosas que levaram à construção de milhentas estátuas de divindades em santuários de Moai e ao estabelecimento do culto do Homem-Pássaro. A par com esta construção desenfreada foi desenvolvida também um sistema de escrita único e que permanece por decifrar na sua totalidade. Ao que parece o povo estabelecido na ilha foi conquistado e submetido por outro povo entretanto chegado e a guerra civil que estalou entre os dois povos acabou por ser a chave para a sua decadência - finalizado entretanto com o contacto com os insaciáveis europeus.

O filme encontra-nos no meio da competição entre os dois povos - os Orelhas Grandes e os Orelhas Pequenas. A corrida da personagem central em construir um Moai em tempo recorde e de conquistar o ovo e assim adquirir o título de Homem-Pássaro servem de veículo e de reconstituição da sociedade ultrareligiosa e socialmente estratificada de Rapa Nui. O que obtemos é um filme documento simpático que é sobretudo delicioso para fanáticos desta ilha como eu - o romance da personagem principal com uma rapariga que pertence ao outro grupo, serve como tempero talvez um pouco forçado mas ainda assim credível, para um documento histórico interessante.

Visto ali.
Enlace | http://www.imdb.com/title/tt0110944

O PRÍNCIPE



Sempre me surpreendeu o axioma utilizado em português para nos referirmos a algo que achamos calculista e maldoso - o adjectivo maquiavélico. Aparte se parecer foneticamente com bélico a palavra deixou-me curioso em demasia até conseguir deitar a mão a um dos seus livros mais conhecidos e que ganhou notoriamente estatuto de clássico e que é este livro que vos trago aqui - O Príncipe.

Para melhor ler este livro há que conhecer também a história de Niccolo Maquiavel, que intercala períodos de brilhantismo sob o ducado de Florença com alturas de caída em desgraça. O livro é um panfleto que surgiu numa época conturbada para o escriba e que lhe serviu como unguento e homenagem destinado a cair novamente nas boas graças do todo poderoso governante do Grão Ducado da Toscana, Lourenço de Médici.

Oferecido por Maquiavel ao estadista como seu único possível presente em todos os possíveis presentes - o escritor reforça a ideia de que a sua única graça é a escrita e que nada mais poderia ofertar - O Príncipe é uma colecção de observações e um guia inteligente para a compreensão da governação dos povos e do papel e comportamento do governante para que melhor governe ou para também que mais e melhor usufrua e mantenha os seus estados conquistados.

É interessante reparar que a edição que tenho em casa foi comentada por Napoleão que usou o livro como cartilha antes e ainda durante a sua conquista da Europa. É delicioso estudar o seu comportamento, as suas afectações e a sua arrogância que finalmente o perderam com a Guerra Peninsular e o General Inverno. Ao ler o livro de Maquiavel lembrei-me doutro livro do género - A Arte da Guerra de Sun Tzu que também já comentei por aqui.

E ao lê-lo percebi perfeita e finalmente o significado de maquiavélico. É de calculismo e de diplomacia que é feito o livro, é sobre a perfeição e idealização do estadista que discorre o livro, é sobre o governo ideal que nos fala Maquiavel e é sobre a necessidade da inteligente aliança ou declaração de guerra em determinado momento providencial que leva a que o príncipe se mantenha como incontestado e eterno governante sobre os seus estados. A palavra que surgiu reflecte esse modo calculista e diplomata de estudar o problema e lhe aplicar a melhor solução - não necessariamente a última ou a que leve a avançar, mas sim aquela necessária em que o recuo e a passividade surgem como virtudes de espera e de sobranceria.

É de ler - é de estudar. É um documento histórico necessário e de perfeita compreensão das mentalidades e intrigas da Alta Idade Média italiana.

Relido por LX em saltitando.

DISTRICT 9



District 9 é um filme genial dirigido por Neill Blomkamp e produzido pelo agora omnipotente Peter Jackson, que veicula e patrocina uma extraordinária primeira obra do primeiro. Fiquei surpreendido com o filme quando me mostraram o trailer - ainda mais quando percorri o site e então, quando finalmente o vi, foi a apoteose!

O filme é verdadeiramente incrível e um dos melhores que vi desde sempre do género. E que género é esse? Aqui está a questão, pois se temos sempre tendência quase inconsciente a compartimentar tudo, colando rótulos e etiquetas a tudo o que consumimos, também se torna cada vez mais usual que lidemos com objectos como estes: híbridos, sem um rótulo consensual, com uma mensagem clara transmitida por não tão claros mecanismos. O filme é sci-fi naturalmente, mas abraça tanto a questão política e social que se assume um novo género que me atrevo a chamar de Sci-fi Realism em evocação ao Neo-Realismo italiano que tinha como temática as classes operárias e à margem da sociedade.

A mensagem clara é a da incompreensão e segregação de um povo perante outro. A referência política e real é o regime opressivo e discriminatório do Apartheid e o povo que oprime é o humano e o oprimido um grupo de aliens que foi confinado a um distrito de subúrbio de Joanesburgo que se transforma num gueto militarizado onde os aliens - apelidados de Praws - se vão multiplicando até atingirem quase 2 milhões. Esta é a imagem mais forte e sobretudo sarcástica e cínica dado que é sobre um novo grupo de marginalizados que não os povos negros africanos que recai a própria teoria segregacionista que tanto os afectou. Aqui os extraterrestes são os oprimidos há já duas décadas tanto por negros como por brancos relevando que o ser humano é sempre devedor de incompreensões perante as diferenças.

Além do local filmado e do objecto do filme serem completamente originais, outra qualidade dos ETs é diferente da grande maioria de filmes sobre visitantes do espaço: eles são pacíficos e pretendem apenas voltar a casa - a nave mãe paira sobre a cidade mas é-lhes impossibilitado o regresso a ela por não possuirem o módulo de ligação.

O ET phone home em terras sul-africanas é o mote para um filme que surpreende também em efeitos especiais e nas referências fílmicas e históricas utilizadas - Cloverfield pelo suporte utilizado da câmara digital e pelo subterfúgio em que se desenrola a história, no primeiro era uma gravação que era posteriormente encontrada e que seria entremeada com uma gravação de férias e de um encontro/desencontro de um par amoroso.

Aqui é o recurso a terceiras testemunhas, seja pelas reportagens à distância dos canais de televisão, seja pelos documentários de trabalho de campo da MNU (Multi-National United - organismo militarizado responsável pelo controlo e policiamento do gueto onde os aliens estão localizados). O Apartheid está sempre presente seja na memória colectiva seja nos cartazes que segregam os aliens dos humanos. E a transferência necessária que a MNU tenta empreender (mudança em massa dos aliens do distrito 9 para um novíssimo mas não menos precário distrito 10 - mais afastado da cidade e por crescente insistência da população desta) é similar aos guetos e às transladações nazis.

Sharlto Copley está perfeito no seu papel do trapalhão agente da MNU, Wilkus e na verdade, toda a equipa de actores está tremendamente credível. Vejam o filme porque valerá bem a pena, está fantástico como se quer.

Visto nas Vasco Tardio Sessions ao Saldanha
Link | http://www.d-9.com

KAFKA À BEIRA-MAR



Ofereceram-me este livro de Murakami em Abril de 2007 - e se vos causa surpresa por só agora o ter lido (ou se não causa de todo pela minha implícita estupidez de ser tão lento leitor pelo facto de ter levado 2 anos e meio a ler um livro). Eu explico. Chegou-lhe a vez no meu monte de leitura, no meu pináculo de livros estacionados junto à cama, empilhados montando uma mesa de cabeceira. Vejo de seguida o Príncipe de Maquiavel, que agora releio.

Kafka à Beira Mar, é um dos ovnis mais saborosos que li ultimamente - o último que retenho que tenha lido e que era assim tão complexo e tortuoso terá sido o Fight Club de Palahniuk. Murakami constrói um labirinto de história que ao invés de correrem paralelas como parece inicialmente - convergem em apoteose de final de filme trágico. As duas personagens centrais - que nunca se tocam mas se vão aproximando em rota de colisão sem colidirem directamente mas provocando uma erupção de tragédia grega - Nakata e Kafka, vivem um rol de acontecimentos e provocam reacções em cadeia que lhes assistem aos propósitos que são para eles próprios desconhecidos.

O livro é um Lord of the Rings, este livro é uma verdadeira tragédia grega, é a epopeia de Ulisses escrita por Homero e reescrita por Murakami (ele próprio que estudou teatro clássico) e onde se revelam diversas constantes na obra do escritor nipónico: a música clássica e o jazz (Murakami foi dono de um bar de Jazz), o teatro e a literatura clássicas europeia e japonesa e o dono de bar solícito e cheio de ensinamentos. As referências musicais e literárias multiplicam-se e servem o misticismo desenvolto de Murakami num romance que chamaria mais ocidental que verdadeiramente japonês - mas que não perde essa vertente encantatória do país do Sol nascente.

A minha teoria epopéica é reforçada pelas personagens que vão surgindo e interagem com os heróis trágicos Nakata e Kafka orbitando entre o fantasmagórico e o corrente, o sobrenatural e o natural, o inacreditável e o existente , desde a sua génese até ao ocaso de um e a realização do outro: a prostituta deslumbrante e hipnótica em jeito de sereia, o louco escultor Johnny Walker que degola gatos por desporto, os camionistas filosófos, a figura paternal e mágica do Coronel Sanders que me lembra um duende, o solícito Hoshino, a doce e trágica Saeki que surge duplamente real e em espírito, o culto regedor da biblioteca de literatura japonesa clássica e transexual Oshimo a que junta a notável capacidade de conversar com gatos de Nakata e sua busca da Pedra da Entrada e a oportunidade de Kafka em lidar com situações extremas como a do espírito de Saeki adolescente, o retiro da montanha isolado de Oshimo e o reduto num universo paralelo guardado por dois militares desertores.

O livro poderá a tempos surgir monótono e irregular mas surgirá sempre algo que nos atira para as páginas seguintes e se de facto a história se prolonga em páginas não é de difícil consumo em 2 semanas de leitura - são mais de trezentas páginas aceleradas e carregadas de complexidade banhadas por toneladas de referências da cultura popular japonesas.

Leiam - valerá a pena. As cenas de sexo são intensamente gráficas e se o romance parecerá disparatado, não o é mais do que a Odisseia, a Eneida, a Ilíada e os Lusíadas a seu tempo.

Lido entre Wien e Lisboa.

Link : http://en.wikipedia.org/wiki/Kafka_on_the_Shore

VALSA COM BASHIR



Fazer terapia com o passado distante e partilhá-lo - ora aqui está como fria e cruamente definiria este belíssimo trabalho de animação por Ari Folman que andou no ano passado chocalhando inúmeros festivais de cinema pelo mundo afora.

Mais candidamente chamaria Waltz with Bashir terapia mas mais ainda como prodígio visual e monumento à paciência técnica que a mim, como amante incondicional da arte da animação, me fazem considerar este filme um portento do género. 4 anos de trabalho divididos por filmagens e entrevistas on set com personagens reais seguidos por pós-produção e esquematização em storyboards finalizados com desenho momento a momento e com animação frame a frame. Extraordinário. Só me faz apetecer rever Waking Life e Scanner Darkly e Coolworld.

Se de si a técnica é irrepreensível e recomendável sem mácula já o objecto do filme é a pasta para o molho neste cozinhado em perfeição. A experiência como soldado israelita durante os conturbados massacres nos campos de refugiados de Sabra e de Shatila durante a Guerra do Líbano de 82 - na qual Israel deixou cair completamente a máscara de nação insuficiente e se revelou como uma potência regional. Longe de fazer objecções políticas ou sequer de questionar quaisquer questões de ingerência ou abuso ou ainda recusando tomar partidos em profundidade, o filme serve como consulta ao passado que se teria encapotado e que surge após contacto com amigo que foi também combatente no mesmo cenário.

A consciência de Ari é despertada lentamente e relatam-se os episódios da guerra que vão reaparecendo agressiva e finalmente em contacto com companheiros da época ou em visões de deja vu. O que nos chega é um retrato da época - contaminado claro pela visão partir do olhar (e olhares) de um adolescente de 19 anos israelita, mas não engajado - um diário de guerra em pesquisa de retrocesso de vida. Vejam - aprendam e questionem. E amem como eu amo.

Visto no Monumental, acompanhado do MAL

Link 1 | http://www.imdb.com/title/tt1185616

Publicações Artistas Unidos



Escolhi esta imagem de entre tantas publicações saídas ao prelo pelos Artistas Unidos porque o tenho e porque me recordo perfeitamente de ter visto a peça do meio entre as três. Sempre admirei o trabalho deste colectivo de actores lisboetas que aliam esta aventura editorial dos Livrinhos de Teatro a uma produção contínua, profícua e dinâmica seja desde a sua sede ainda emprestada na Graça, o Convento das Mónicas ou a partir de gravitações mais ou menos intermitentes pela Malaposta, pelo IFP ou outros - enquanto não voltam de justiça para a sua natural e anterior sede no Teatro Paulo Claro no Edifício Capital ao Bairro Alto.

Sei que já se removeram bastantes barricadas quanto a isso e se quiserem saber mais da polémica e das sugestões para a recuperação e reconversão do edifício pelo Arqto Pedro Maurício Borges espreitem o site.
Enquanto isso desfrutem das peças e acompanhem-nas com a leitura destes livretos de bolso que se encontram na pequena livraria na entrada no Convento das Mónicas.

Lidos e vistos de Jean Luc Lagarce (Music Hall e As Regras da Arte de Bem Viver na Sociedade Moderna) no Instituto Franco-Português

Lido e visto de Juan Mayorga (Hamelin) no Convento das Mónicas

Ambas as peças e publicações pelos Artistas Unidos.
AU > http://www.artistasunidos.pt

ROJO vs UMBIGO



Não é que eu queira um confronto entre as duas publicações - não o desejo, só que as vejo tão próximas que tinha as aproximar - passe a redundância de forma. E são as duas duas grandes revistas que se preocupam em revelar e partilhar o que de mais interessante se vai fazendo no mundo das artes plásticas - street art - design - moda e escrita alternativa. Um dos nossos amigos - Si - já aqui veio publicado na Umbigo e outra minha amiga realizou o grafismo de um do números também da Umbigo.

Comprem e vejam - não se irão arrepender.

Folheadas por BCN - CBR e LX

Links

http://www.rojo-magazine.com
http://umbigomagazine.com

THE WAVE (livro) e THE WAVE (telefilme)





Tinha a vaga ideia de que o filme A Onda teria já sido comentado aqui no blog - mas não encontrei o link pelo que não estou certo se foi uma partida da minha memória, estou no entanto seguro de que os meus colegas de página irão responder-me quanto a isso. Mas o que comento aqui é o livro e não a sua versão alemã em filme. Melhor ainda - faço uma escatológica busca sobre o que deu origem ao filme e ao livro e aponho-lhe questões de ordem psicológica.


O filme The Welle por Dennis Gansel foi adaptado a partir do livro The Wave de Todd Strasser que o escreveu sob o pseudónimo de Morton Rhue. Este por sua vez foi baseado no telefilme The Wave de Norman Lear que adaptou para televisão o texto de Ron Jones chamado de Take as Directed baseado na experiência que implementou numa escola californiana e a que chamou The Third Wave. Inúmeras versões teatrais e musicais foram também realizadas. O livro que li foi o escrito por Todd Strasser na língua original mas isso levou-me também a ver o telefilme e a tentar perceber também melhor a experiência que se retrata.

O livro é interessante a um nível social e psicológico, na medida que levanta inúmeras questões quanto à manipulação das massas e ao anulamento do individual em detrimento do grupo. Aparte toda a polémica quanto à veracidade da experiência de Ron Jones alegadamente realizada por ele numa escola de Palo Alto em 67 - e que podem perceber no segundo link abaixo - é verdadeiramente interessante a um nível comportamental e histórico encontrar semelhanças entre este grupo de estudantes que foi encaminhado, seduzido e orquestrado em imensos episódios tenebrosos na humanidade. Mais propriamente do Nacional Socialismo e na WW2 em que se baseiam as obras.

É possível ainda acontecer hoje em dia toda esta manipulação de gentes? É. Acredito que o risco existe e que persiste ainda entre nós - sob a bandeira de partidos e movimentos e agremiações. Por isso mesmo - por esse perigo latente - é que o estado alemão oficializou a leitura do livro como obrigatório no ensino liceal.

O livro é simples e lê-se rapidamente - o seu interesse advém, como já disse, da experiência em si. O telefilme é anterior ao livro e este corresponde sílaba a sílaba ao que lá vem descrito.

Lido em Viena de uma assentada.
Visto em LX em complemento de tarde.

Vejam aqui o telefilme e o restante material : http://www.thewave.tk
Espreitem este também sobre a polémica da veracidade da experiência :
http://www.geniebusters.org/915/wave_statements.html

BÍBLIA



Falando de Bíblia não é imediato que se perceba que me refira a não outro do que ao livro sagrado das escrituras - mas de facto aqui falo da Revista Bíblia, publicação agora trimestral criada nuns já longínquos 96 e já reverenciada também; não sei se sem algum fanatismo à mistura. Solidificada a partir de uma base que chamaria de fanzine, Tiago Gomes montou uma revista que se suporta nos trabalhos de artistas e escritores, cronistas e poetas, designers e músicos que vale bem a pena espreitar.

Assinem - leiam - partilhem.

Folheada por LX

Link : http://revista-biblia.com

A LARANJA MECÂNICA (livro e filme)




Este é outro dos ilustres casos em que o filme abre o apetite ao livro e também das poucas vezes em que a transposição em filme presta um acertado tributo às páginas em que nasceu - outro é um livro que leio por agora chamado de Gomorra (opinião que terá divergências).

Escrevo sobre A Laranja Mecânica, livro e filme de seu nome original A Clockwork Orange - aquele de Anthony Burgess e este de Stanley Kubrick. Recém chegado de Bristol e refrescado de qualquer vaga ideia de contágio pela mais recente pandemia releio o livro e apetece-me rever o filme. E ao rever a terra, revejo-me também na violência que se encontra em diversas partes de Inglaterra e que serve de catalisador aos filmes de Ritchie e a este livro de Burgess.

A linhagem de criadores sci fi e distópicos ingleses é longa e profícua e do meu muito gosto pessoal, alinham-seVerne, Orwell, Tolkien, Swift, Burgess, Moore, Blake, Huxley, Shelley... Tal como Tolkien e como Orwell também Burgess criou o seu próprio vocabulário que aqui se mostra como o calão da nova população juvenil, os nadescentes que num futuro próximo - presente pop ainda por domesticar - perpretam a ultraviolência horroroíca do atolchocar e do mete-tira sobre os vecos e as debocheicas em pequenos bandos de drucos competidores. Bebem molco misturado com drogas e satisfazem-se nos dias de violência.

O livro é fantástico e de digestão fácil após as primeiras páginas e após entrar o vocabulário nadescente. Surge como uma antevisão e alarme contra o aumento da violência e o descontrolo e autoritarismo estatal - acaba por ser duplamente um manifesto contra o autoritarismo e um reflexo da indiferença da sociedade perante os seus. É de leitura imprescindível assim como o filme já é um clássico e portanto, necessário.

Este - o filme- é irrepreensível no tratamento da história como contada por Burgess e apresenta um Malcom McDowell extraordinário como Alex. Lembrei-me ainda agora que vi uma estátua realizada por Kubrick para o filme na exposição Porn Identity em Viena - toda a imagética e grafismo do filme, as propostas para indumentárias e decorações de bares e habitações está perfeita para o que a imaginação construiu a partir das páginas do livro.

Recomendo em absoluto. Ambos os objectos. Sigam apenas a ordem de leitura primeiro e depois o visionamento - parece-me que encaixa melhor e ficarão muito bem servidos, pois o filme é um complemento gráfico ao livro.

Relido por Sta Catarina - visto há uns anos por Coimbra.

Link :. http://www.imdb.com/title/tt0066921

Chave :.

nadescentes - adolescentes
horroroíca - fantástica
atolchocar - bater
mete-tira - cópula
vecos - tipos
debocheicas - miúdas
drucos - camaradas
molco - leite

FADO TONIGHT




Poucos filmes me mostraram tanto de Lisboa - da minha já agora e ainda não o sabia antes, querida Lisboa - como a curta Fado Tonight deste jovem realizador nascido e crescido no característico bairro da Graça, por onde também já passei os dias e descansei as noites. Por ser lisboeta de gema e perambular pelos bairros da baixa e pelas ruelas e largos do Castelo e de Alfama o Henrique conseguiu captar em filme a essência castiça da cidade como poucos ou nenhuns antes dele (Pêra divaga e injecta-lhe videoart a rodos mostrando Lisboa em videoclip - César Monteiro é demasiado o retrato de César Monteiro e de João de Deus, Pedro Costa não relaxa sobre o feio e Cotinelli vai já lá muito rebuscar à memória).

Lisboa ainda é como em Fado Tonight, Alfama, Graça, Mouraria e Marvila ainda são assim, inocentes e pitorescos, honestos e emotivos, capazes de ceder apaixonados e de se verem enleados pelos seus becos em beijo húmido cantado a fado - ironicamente o título recorda que Alfama e o Bairro Alto e também em menor escala a Bica, estão pejados de sítios caracterizados para estrangeiro.

Fado Tonight conta como um cantoneiro se apaixona por uma fadista e ao ver-se trocado por um guitarrista, afunda-se na bebida para ser felizmente salvo por uma rapariga que trabalha num restaurante que deseja ser fadista - sofrível - mas que se apaixona por ele. O final é feliz e mesmo que a história pareça simples, ela é de facto lisboa!

O filme é uma banda sonora constante em que as falas são mínimas e os gestos são mais esclarecedores - recordando-me Mário Viegas, discorrendo Deolinda, Naifa, Marceneiro, Madredeus e Fado por todos os poros das calçadas que percorre e das tabernas que lhe servem de mote, como o Jaime da Graça, a Ginginha de Alfama e a Baiuca.

Belíssimo e a alma daqui. Uma história de amor que se serve destas ruas como postal cheio de gente e de fado e apesar de bem jovem, Henrique Barroso filma e mostra Lisboa como gente grande.

Visto no CineLençol do MAL em pleno miradouro da Graça : http://movimentoacordalisboa.com
Contactem a produtora para terem mais do que o trailer : http://www.uzifilmes.com
Trailer
http://www.youtube.com/watch?v=ItMRqWOI3iY

Nota : grafa-se Fado quando se refere o género e deixa de se capitular a palavra quando o assunto é destino e saudade.

50 FIRST DATES



Este é um típico filme de Adam Sandler e ao afirmar isto acrescento que este é outro objecto de entretenimento fácil, de consumo rápido e completamente ausente de qualquer objectivo ou mensagem que não seja a de produzir um objecto consumível por toda a família e específico para o mercado americano (pelos gags e referências).

Não digo que os estúdios americanos devam deixar de produzir este filmes mas este não me serve as medidas e na verdade os únicos filmes que aprecio por Sandler é o Embriagado de Amor do Paul Thomas Anderson (que lhe valeu uma nomeação para um globo de ouro) e a Terapia de Raiva onde contracena com um magistral Jack Nicholson.

Este filme resume-se rapidamente. A personagem de Sandler é um conquistador inveterado que se apaixona pela personagem interpretada por Drew Barrymore e é retribuído nessa afeição. O problema é que esta revive o mesmo dia desde que teve um acidente um ano antes - não guardando qualquer memória mais que as horas de um dia. O restante é tudo menos inesperado.

Visto no autocarro entre Bratislava e Praga

Enlace | http://www.imdb.com/title/tt0343660

FINGERED e colecção de vídeos do kunsthaus wien



De todas as peças que poderia destacar dentro da grande desilusão de exposição que se revelou a Porn Identity (desiludiu grandemente pelo preço excessivo para o exposto, pela ausência de fio condutor e de conceito expositivo, pela irregularidade nas obras apresentadas e pela gratuitidade em que a pornografia foi apresentada sem qualquer aparente objectivo que não a provocação imediata) apresento o Fingered. Este filme mostra uma violação quase explícita, provocada (mesmo) e intencionalmente direccionada para a exploração e violência gratuitas com péssimas interpretações e inexistente argumento. É inclassificável (nem snuff, nem porno, híbrido insípido) e se o destaco é porque foi o único vídeo que vi em tão desinteressante exposição.

Indo ao Kunsthaus Wien é imperdível sim a colecção de vídeo que aí apresentam, consultável via diversos ecrãs tactéis. É uma videografia extensíssima e que vale bem dedicar-lhe de 1 a 2 horas para lhe estudar os vídeos experimentais, as peças de videoart, os segmentos animados e todas as curtas.

Visto no Kunsthaus Wien, exposição Porn Identity

Enlace | http://www.mqw.at/index.php?page_id=328

FOOLS GOLD



Este filme começa com uma cena hilariante da destruição involuntária de um barco de pesquisa arqueológica pelos seus próprios ocupantes enquanto pesquisavam artefactos presumivelmente de um galeão espanhol no fundo do mar. Mas a partir daí o filme descamba para algo sensaborão e insípido confrontando Matthew McConaughey e Kate Hudson como casal desavindo, explorando essa incapacidade de convivência de meio de vida entre o par até à previsível conclusão.

Dispenso. Sugiro que a cena inicial se tornasse uma curta só por si, é um segmento que valeria bem essa dedicação.

Visto no autocarro entre Bratislava e Praga

Enlace | www.imdb.com/title/tt0770752

SOUTHPARK | IMAGINATION LAND



Desenvolvido em três tomos ridicularizando as trilogias clássicas do cinema (starwars e lord of the rings) e visível no site oficial, este episódio especial de Southpark subtitulado de Imagination Land é uma pérola dentro de todos os episódios de Southpark que já vi.

É deliciso, é hilariante, é incrível, é espectacular - é o máximo, o cume e o clímax da intensidade criativa e do sarcasmo combatente de Matt Stone e de Trey Parker, os criadores da série de animação para a televisão que é um sucesso e que é sempre realizado para um público adulto (os detractores não o entendem e pretendem que tenha sido idealizado de outra forma).

Vejam e percebam esse mundo de fantasia demolidor!

Visto nas Vasco Sessions ao Saldanha em companhia do MAL

Links :
www.southparkstudios.com
http://www.imdb.com/title/tt1308667

ZOMBIE STRIPPERS



Este Zombie Strippers é dos filmes mais ridículos que já vi em toda a minha existência e por isso mesmo é que se torna também um dos mais hilariantes de sempre! Senão vejam esta rápida sinopse deste filme de série B realizado e escrito por Jay Lee.

Após uma experiência científica que correu mal um soldado contaminado entra num night club e após alguma turbulência inicial ataca uma das strippers do bar. A partir desse momento essa stripper torna-se uma estrela já que a sua condição de morta e de zombie atrai cada vez mais cliente para ver o espectáculo levando a que as restantes strippers - uma após outra - se deixem contaminar para que tomem o lugar da primeira no palco. A única condição é que um ou outro cliente lhes sirva de alimento ao que o patrão, fazendo dinheiro como nunca tinha feito antes e deslumbrado, acede, guardando os corpos dos clientes tornados entretanto zombies numa jaula da cave do clube.

As interpretações não são nada credíveis (e interessa neste contexto?) e o filme e a sua história bizarras e trapalhonas (e eu importado, depois de me rir tanto incontrolavelmente)! A acrescentar a Jamie Jameson e à sua trupe de strippers zombies - todas vindas do mundo do filme porno - há ainda um grupo de soldados que de corpos, músculos e glândulas mamárias infladas (pois provêm do mesmo mundo antes referido) se dedica a caçar os zombies!

Hilariante! Aconselho, é de ver sem dúvida (com o cuidado de dizer que o sangue jorra em largos jactos e que existe nudez parcial e total em quase todo o filme)

Visto nas Vasco Sessions ao Saldanha em companhia do MAL

Enlace | http://www.imdb.com/title/tt0960890

CHE Parte 2 : GUERRILHA



Guerrilha é a natural continuação de O Argentino na obra Che por Steven Soderbergh e surge separado por razões óbvias de exibição e pelo sentido prático de fluência da história. É-nos oferecida uma obra épica em dimensão e documental em conteúdo e a sua separação em dois tomos é o intervalo nada forçado que marca dois distintos momentos perfeitamente destrinçáveis no percurso do guerrilheiro tornado cubano. Se no primeiro se relata a conquista de Cuba, neste aparece Ernesto Guevara a comandar e organizar a guerrilha boliviana – apenas referindo ao de leve a passagem pelo Congo e Venezuela, que não testemunhamos neste par, como assim também a fugaz presença do combatente como burocrata em Havana.

(...)

Leiam mais na Take n14 em : http://www.take.com.pt

3X3



Prova de que o filme português em português não é o que se pensa do filme português e que destruindo as ideias pré-concebidas de que nada de bom pode ser realizado por aqui, está aqui esta curta para o demonstrar. Excelente trabalho de câmara e óptima direcção de actores que servidos por uma história simples mas cativante (como deve e pode ser uma curta), nos oferece um trabalho hilariante e desembaraçado. 3x3 é um excelente trabalho que chega pela mão de um jovem e promissor realizador e eu ficarei pendurado esperando os seus próximos projectos.

Excelente! Consultem o site e vejam fotos - a curta está já por aí em apresentação pública e se tiverem a oportunidade, assistam.

Visionado no Auditório ZON, Lisboa

Link (com making of) | http://nunorocha.net

RASCUNHO




Existe online e chamo-lhe revista! Redescubro-a agora pela mão da Maggie que a relembrou oportunamente. Grazie! Este Rascunho é feito por uma equipa jovem e interessada nas temáticas artísticas pelo que a publicação evolui nessas áreas, especificamente pelo cinema, pela arte&design, pelo teatro e pela literatura (estou a dizer de cabeça e sei que me falta uma, mas como a preguiça não me deixa ir reabrir o site...).

Vejam e partilhem, façam-na crescer! Venga!

Rascunho | www.rascunho.net

MURPHY, ECDJ e NU






Apresento agora 3 revistas que partilham dois pontos que me interessam sobremaneira: ambas versam sobre arquitectura e são produzidas em Coimbra.

A Murphy (publicação anual ou bianual de história e teoria da arquitectura e do urbanismo realizada pelo Departamento de Arquitectura da FCTUC e que prima pela excelência nos artigos e investigações), a ECDJ - Em Cima do Joelho (Publicação de arquitectura realizada pelo Departamento de Arquitectura e pelo Centro de Estudos de Arquitectura da FCTUC e que se debruça por temáticas mais específicas da Arquitectura e Urbanismo, centrando-se em problemas actuais e mais práticos do pensar e realizar urbano pelo que expõe - variavelmente - um case study) e a NU (produzida pelos estudantes do Departamento de Arquitectura da FCTUC e que colige trabalhos e teorizações dos alunos e recebe ainda alguns convidados).


Os 3 títulos são de excelência e, se bem que não totalmente estanques a leigos - o primeiro é-o, necessariamente - de leitura imprescindível a um arquitecto/urbanista.

Murphy | www.uc.pt/murphy
NU | www.revistanu.uc.pt , revistanu.blogs.sapo.pt

PURE MAGAZINE




Pure é uma revista pura - ou seja, de design depurado e atento grafismo que nos conduz e a partir de LX uma interessante produção sobre moda com fotografia excepcional e artigos de fundo com relevância. Fico apaixonado pela quantidade de títulos com excelente qualidade que existem por aí - parte fundamentalmente de um empenho de uma equipa para que seja montada uma publicação como estas. Vejam todas as que puderem, sem falta.

n*STYLE MAGAZINE



A n*Style Magazine é uma revista bimestral muito interessante - belíssimas produções de moda que me recordam a DIF e a PARQ, feita a norte e que versa sobre arquitectura, moda, lifestyle, música e tendências urbanas, servidas por crónicas, apontamentos e actualidades. É uma excelente referência para ver, para ler e para, sobretudo, desejar.

n*STYLE MAGAZINE | http://www.nstyle.com.pt

SITA SINGS THE BLUES



Sita sings the blues é apresentado como a maior história sobre uma separação jamais contada e partiu precisamente dessa premissa por parte da autora - Nina Paley, uma reconhecidíssima desenhadora americana, que após ter levado tampa do companheiro por mail enquanto este estava em trabalho na Índia e fruto da sua dificuldade em lidar com o sucedido e muito menos comunicado assim, daquela maneira crua - decide embarcar neste projecto durante cinco anos.

Paley fez tudo neste filme cedendo apenas na parte musical em que colaborou, escrevendo, investigando, produzindo, realizando e editando esta fantástica peça de animação que ganhou um prémio na Berlinale.

História pessoal animada, é fascinante como se enquandram os diferentes planos da história consoante seja o plano contemporâneo do afastamento e separação de Nina do marido, a narração e explicação do Ramayana (epopeia clássica indiana que retrata a história de Sita e do seu esposo, o príncipe divino Rama e em que Paley vê semelhanças com o seu próprio trajecto), passagens cantadas do Ramayana e trechos do Ramayana. Estes diferentes planos dos filmes sucedem-se em cadência regular e são trabalhados por diferentes técnicas de animação - não causando no entanto irregularidade na história mas marcando os diferentes momentos e contribuindo para a sua compreensão.


É notável o trabalho de investigação de Paley e a ligação do seu desastre amoroso com o mito hindu demonstra além de um saborosa ironia - pois o seu mais que tudo abandonou-a por um trabalho na Índia, também uma trabalhada e calibrada recuperação.

O resultado é muito atraente e se por vezes o ritmo se perde nas sequências cantadas e se a animação não surpreende nem inova, o espectador é compensado pela veia humorística da autora e da sua extraordinária capacidade de rir de si e de se renovar. Recomendo vivamente.


Curiosidades :

1) O filme foi apresentado pela própria em Viena uma semana depois de eu lá ter estado, no Festival Tricky Women - no qual foram distribuídos gratuitamente DVD.
2)
Este filme foi elogiado pela Andrea sem sabermos que umas semanas depois ele seria mostrado em Lisboa durante a Competição de Longas na Monstra e que eu o veria.
3)
No site promocional do filme está disponível o filme para download.
4)
A realizadora não vendeu nenhuma cópia do filme - o lucro é garantido por outras vias.
5)
O filme na Monstra foi apresentado por Nik Phelps, colaborador na BSO.

Senti o quase dever de ir pesquisar sobre Nina Paley e o seu trabalho, sobre o Ramayana e sobre Sita, sobre Lanka e sobretudo sobre a apaixonante e mítica Rama's Bridge.

Visto durante o Festival Monstra em LX - São Jorge em companhia do MAL e Ed. Condorcet, realizador coimbrão.

Links |

www.sitasingstheblues.com

www.ninapaley.com

www.monstrafestival.com

VOLTE - FACE



Outra excelente revista portuguesa, agora dedicada sobretudo ao design/poesia e conjugando-lhe artes performativas, happenings, intervenções e música. As performances da Volte-Face / Conflito Estético são lendárias, pesquisem no YouTube e no site da revista para terem um sabor da coisa. Tenho já os 3 números encomendados, quem os quiser manusear que me visite - e sim, isto é um convite!

Volte-Face | http://www.volte-face.conflitoestetico.com

OBSCENA



É obsceno como determinados títulos com qualidade permanecem no limbo da internet esperando a passagem para papel, formato que qualquer publicação merece (a Take é outra que tal). Obscena, revista de artes performativas portuguesa e membro da TEAM Network (Transdisciplinary European Art Magazines) é um excelente magazine onde pontua conteúdo informativo e reflexivo sobre as artes de palco, performativas, design e filosofia. É excelente o título - comprem ou descarreguem do site.

Revista Obscena | http://www.revistaobscena.com

PLAYTIME



A personagem chave nos filmes de Jacques Tati - Monsieur Hulot, marcou gerações e continua ainda bem presente com a imagem do mimo desastrado que passava pelas mais diversas caricatas situações e que encontrava os mais estranhos personagens originando sempre situações hilariantes em sucessão de gags. Hulot foi o homem elástico muito antes de Carey ter aparecido e todos os seus filmes são de garantida gargalhada – tanto de inteligente convicção como de riso fácil em amálgama de humor.

Se nos anteriores filmes de Tati, Hulot era o centro do filme e da paródia, neste extraordinário Playtime é a cidade de Paris – uma Paris super moderna, consumista e mecanizada, que lhe toma o lugar, preenchendo-se o ecrã com milhares de pequenos hulots que servem de crítica perante a sobreposição da máquina sobre os hábitos das gentes. Este filme é uma perfeita sátira à sociedade urbana contemporânea e nele vêm vaticinadas muitas das actuais amarras e características da vida burguesa.

Leiam mais na Take n14, em http://www.take.com.pt

PERSEPOLIS



Persepolis é uma belíssima animação que percorre o crescimento de uma criança iraniana até à sua consumação como mulher, começando antes da revolução iraniana, acompanhando toda essa conturbada rebelião, o agigantar do fervor religioso no Irão, a sua atribulada ida para a Áustria e o seu afirmar final já em França.

O trabalho de Marjane Satrapi é autobiográfico e foi primeiramente publicado (e multi premiado) como uma banda desenhada em quatro tomos que foram posteriormente reunidos em volume único – largamente elogiados pela crítica especializada e pelo público.

(...)

Leiam mais na Take n14, em http://www.take.com.pt

UMA HISTÓRIA SIMPLES



Uma história simples saída filmada pela mão de um cineasta considerado complicado não poderia deixar de ser uma provocação a quem o marcou como tal e que não compreende que o cinema pode ser expressionista, surreal e sujeito a inúmeras interpretações.

E se uma história simples o é qualificável porque se resume em poucas linhas, este filme, este The Straight Story do Lynch é-o. Parte de uma viagem verídica em que um idoso homem (Richard Farnsworth como Alvin Straight) segue à procura do irmão doente (e com quem tem uma relação conturbada e esporádica) montado num cortador de relva, percorrendo indómito e estóico mais de 400km entre estados americanos.

Comparável a uma Odisseia de Homero, a complexidade do filme é humana e vive dos inúmeros encontros e atribulações de beira de estrada, acompanhando a excelente fotografia da estepe americana com a banda sonora composta por Badalamenti. Destaca-se num filme enternecedor e belíssimo, a interpretação de Sissy Spacek.

Leiam mais na Take n14, em : http://www.take.com.pt

PARIS, TEXAS



O filme mergulha na quase lunar e a vezes semi-desértica paisagem texana com uma belíssima abertura em olhar de pássaro e apresenta um homem caminhando sobre o vazio (Harry Dean Stanton como Travis). A monotonia e a ausência do próprio que até é uma constante na obra de Win Wenders (Lisbon Story) aproxima este filme à obra pictórica de Edward Hopper – na regularidade da paisagem americana que monótona e à vez revela um ocasional personagem, um detalhe fortuito, um objecto casual ou um cartaz acidental, trabalhando a depuração e o ascetismo de beira de estrada americanos como tema central da história.

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Leiam mais na Take n13, em : http://www.take.com.pt

ZOOT



Emprestado o nome dos Monty Python and the Holy Grail e de uma qualidade gráfica e de conteúdos extraordinária! A ZOOT é feita em Lisboa - com escritórios no Think Tank da LX Factory e é trimestral. Moda, design, entrevistas e afins servidos em inglês e que se pode encontrar em PT, Tóquio, Ny, Paris e London. Fantástica!

http://www.zootmag.com/

MORGEN



Visualmente forte, experimental, apaixonado e académico - virtudes e adjectivações para um colectivo/produtora fílmica austríaca que sugiro : Sancho Pansa Film | http://www.sanchopansafilm.com

Vejam Morgen - é especial (com Andrea Richter : )
http://www.sanchopansafilm.com/htmls/morgen.html


Morgen é uma curta curtinha que apresenta e deixa muitas dúvidas a umas quantas mais respostas - a beleza da curta é essa, o jogar ostensivo com a nossa interpretação porvir. É uma daquelas peças em que nos apetece acrescentar-lhe continuação e em que sobretudo, lhe colamos um início e um sentido. Apetecível. Apenas uma nota para dizer que o gato que contracena com a Andrea é Shiva.

HISTORY OF THE INTERNET



Queria partilhar esta grande pequena história que explica resumidamente utilizando um excelente formato gráfico em Flash tudo isto em que escrevemos / lemos / comunicamos / partilhamos neste momento :
History of the Internet | http://www.youtube.com/watch?v=9hIQjrMHTv4

Na volta passem por este, Picol | http://blog.picol.org

A DÚVIDA



John Patrick Shanley comentava em entrevista de apresentação de Doubt que se perdeu a instituição da dúvida com o carácter de sabedoria que antes a resumia e que se lhe colou entretanto agora o da fragilidade da indecisão. Longe de tentar clarificar se indubitavelmente a dúvida se degradou como instrumento de reflexão Shanley ensaia uma história passada num colégio católico do Bronx nos anos 60 que foi peça multi-premiada com um Pulitzer e 4 Tony.

Nunca um filme aparentemente tão simples foi pródigo em réplicas de interpretação sobre o resultado final, sobre o evoluir da história e sobre qualquer moral ou conclusão a retirar-lhe. A directora do colégio (Meryl Streep como a Sister Aloysius Beauvier) começa a construir a dúvida de conduta incorrecta sobre os alunos por parte do Padre Flynn (Philip Seymour Hoffman - PSH) a partir do próprio sermão deste, alimentada ainda por alguns pequenos sinais. Contextualizar essa dúvida nas reais certezas dos inúmeros casos de pedofilia no seio da Igreja Católica americana é tão só um dos muitos elementos que elevam a complexidade crescente que toma o filme e tão só não se concretiza como se adensa ainda mais a ponto de a dúvida se prolongar após vê-lo.

Esse é o ponto mais forte da peça/filme de Shanley e a arrebatadora oratória do Padre Flynn sobre temas do quotidiano durante a homilia foi tanto o catalisador para a dúvida de Beauvier que logo colocou todas as restantes freiras do colégio atentas ao comportamento do sacerdote (atentem à frase que fecha o sermão dedicado à dúvida, que ecoa na nave do templo da igreja e da nossa mente). Destas uma se destaca e se assume depois como interlocutora da dúvida da sua superiora, a Irmã James, que vai notando alguma estranheza na atitude de um dos seus pupilos e única criança negra da escola que é menino de coro e muito próximo do nosso padre.

A calculista Irmã Aloysius defronta a própria instituição católica ao confrontar o padre directamente e esta dupla de actores (Streep / Hoffman) cedem ao filme toda a sua grandeza na interpretação em contínuo choque e acusação – Aloysius defende a manutenção do conservadorismo e Flynn a abertura de pensamento do colégio, Aloysius aborda a mãe da criança e Flynn contra-ataca com o sermão dedicado à Intolerância (emprestando-lhe a bela imagem da almofada rasgada com penas ao vento). Não se poderá concluir nada e a dúvida permanece – ela mina cada passo do filme e cada actuação das suas diferentes personagens – e não há vitoriosos ou derrotados e nem a criança, epicentro de toda a história, sairá de facto (ou talvez não) ilesa.


O momento mais extraordinário do filme e aparte toda a portentosa interpretação do par em confronto é o do diálogo entre a mãe da criança (Viola Davis como Mrs. Miller) e a directora do colégio – é arrebatadora e bem merecerá o Óscar para que está nomeada e por apenas esses poucos minutos de intensidade dramática.

Frase : Streep vs Hoffman, o melhor duelo entre gigantes da década!
Pontuação : 4

Leiam mais na Take n 13 em : http://www.take.com.pt

DIRECT ARTS



Direct Arts
é uma nova revista portuguesa de periodicidade trimestral que pulula pelo design e pela artes aplicadas, reunindo excelentes trabalhos criativos com sugestões técnicas experimentadas e entrevistas e artigos a profissionais da área. É das melhores que vi ultimamente e espero que se mantenha no mercado por muito tempo - e tenho aqui o primeiro número, serve-me a leitura constantemente nestes dias. A imagem que segue é desse número.

Revista | www.directarts.com.pt

A SUSPEITA



A belíssima e multi-premiada animação portuguesa em stop-motion, A Suspeita de José Miguel Ribeiro foi de demorado parto, resultou de anos de trabalho para produzir os 25 minutos mais interessantes da recente animação portuguesa. Os detalhes dos objectos (canivete de Barcelos, o percurso traçado no mapa, o jornal com o assassino revelado), as expressões das personagens (alinhados em galeria de fragmentos que falhei em encontrar online) e os movimentos em continuidade, comprovam um trabalho de minúcia técnica extraordinária.

Entre os quatro bem distintos e vincados personagens que fazem a viagem de comboio dentro da carruagem que é o cenário do filme, há um assassino - suspeita que uma das personagens leva ao extremo da acusação até se tornar ele próprio na vítima. As deambulações pela forma de estar portuguesa, os silêncios e os diálogos que se vão entremeando adocicam e apimentam o crescer da suspeição e a revelação final é inesperada. Belíssimo!

Visto em serenata de casa

Ligações |
www.zeppelin-filmes.pt/fichas/anim/asuspeita.html
http://www.youtube.com/results?search_type=&search_query=a+suspeita&aq=f

O DIA EM QUE A TERRA PAROU



Recosto-me na cadeira preparado para mais uma viagem Lisboa-Coimbra neste Pendular que se move à mesma velocidade que as carruagens dos tempos da malaposta (ninguém me explicou e eu não consigo ainda discernir a vantagem entre este e o Intercidades, a RedeExpressos ou um qualquer veículo utilitário – pois se é para lhe chamar de rápido e então o considerar alternativa a qualquer outro transporte então que siga a mais de 100km/h e não como vai). Mas adiante.

Recosto-me na cadeira e no lugar logo à frente um portátil abre-se revelando o remake do clássico de SciFi The Day the Earth Stood Still com um Keanu Reeves como o alienígena Klaatu. Sem prever leitura e sem a recorrente vontade de adormecer em qualquer transporte, embarco neste filme em detrimento da paisagem que passa pela janela e que já conheço.

Esta longa-metragem de ficção científica tenta passar uma mensagem moral ambiental com o alarme de que a humanidade será aniquilada sem recurso pelo mal que tem perpetuado sobre o seu planeta. No filme original o conselho funcionava, se bem que veiculado de maneira infantil, mas nesta versão actualizada - algo bem em voga nos estúdios americanos, o de recuperar objectos fílmicos, mudando-lhe apenas o rótulo - falha completamente. E perde-se este filme e bem assim e como sempre, Reeves, num filme sem qualquer interesse mais do que um passatempo de comboio.

O argumento falha em toda a linha, a direcção de actores é catastrófica - como Reeves também Connely estão péssimos e não há qualquer novidade técnica ou estética que o distinga de entre os muitos filmes do género. Dispensa-se.

Visto no Alfa-Pendular LX>CBR em portátil alheio

Enlace | www.imdb.com/title/tt0970416

ÓDIO



O ódio é um conceito bem humano tramado - não é inato, vai sendo acumulado e burilado conforme aquilo que nos alimentam como razões de o conservar. Assim como nos subúrbios de Paris o ódio é bem presente e vai sendo nutrido por força das discrepâncias sociais e a diferenciação racial de anos. Os banlieu são recorrentes em demonstrações que nada devem à resistência pacífica mas sim à militância agressiva.

O preto & branco neste filme de Kassovitz - desse grande Kassovitz - não é mera opção estética, é o afirmar preto no branco dos contrastes que permanecem na sociedade francesa, que não é mais do que um reflexo da sociedade contemporânea. A preto e branco o ódio é o que é e a não sujeição do ser humano discriminado perante o discriminador é sombreado a golpes de fuga e de resistência desesperada.

O filme inicia-se no meio de turbulentas revoltas que resultaram na vandalização de uma esquadra de polícia bem implantada num desses subúrbios da cidade luz. Três amigos bem distintos - e que cobrem todo o espectro das minorias ostracizadas francesas - vivem os dias entre pequenos roubos que significam apenas libertação e luta contra o regime, traficantes de bairro e a repressão policial, detonada pelo ataque à esquadra. Esta é uma peça fundamental na compreensão do sistema de castas francês e a cena final absolutamente surpreendente e um resumo de tudo. A ver - já.

Visto por parciais em casa da Bica.

Link | www.imdb.com/title/tt0113247

RELIGULOUS



Michael Moore é reduzido a um mero beliscão superficialmente incomodativo, a um pequeno toque inconsequente para a epiderme quando comparado com este Bill Maher, um caústico stand upper americano. E o seu material documental torna-se um mero aperitivo sensacionalista quando posto a par com este documento frontal e libertário. Imagino que tenha sido de muito difícil digestão para um país espiritualmente ataviado e fanático como os US (adianta dizer que a apresentação foi em Toronto).

A aproximação aos dogmas religiosos é a mesma que regeu Zeitgeist no primeiro dos seus três segmentos, mas este debate-se na composição e diversidade religiosa americana, desconstruindo a fé e crenças das principais confissões monoteístas em presença no país, atirando sobre crentes e sacerdotes em entrevista directa, com impertinente ironia e incredulidade perante o ditado sobre os livros sagrados e a sua aplicabilidade literal à idade contemporânea.

Religious + ridiculous pretende desmontar a cega obediência aos dogmas cristãos que a serem considerados, devem permanecer a um plano espiritual e não social ou político, que é o que se verifica em todo o mundo e não só nos EUA. Diziam-me que 90% das guerras são ou foram motivadas por motivos religiosos e esse é um número em que acredito, até que por defeito.

O filme é essencial e torna-se hilariante pela quantidade de loucas personagens que vão surgindo (o imbecil senador fanático religioso, o rabi ambivalente ultra-ortodoxo que não se cala, os mórmons hostis, o líder muçulmano irredutível, o pregador e fiéis do templo dos camionistas, o parque de diversões que revive a história de Cristo e a sua assistência deslumbrada, o cristo actor em excesso de entusiasmo, o pastor hipócrita que exibe com orgulho as suas jóias, o apóstolo que se intitula Cristo renascido, o pastor que se apregoa ex-homossexual (!!!) e que prega ostensivamente contra os gays, o judeu inventor das soluções tecnológicas para contornar os jejuns, o suposto cientista que criou e apresenta um museu que conjuga a teoria da evolução e o relato bíblico e muitas outras caricaturas).


Este documentário é um alerta e pretende alterar mentalidades por meio da crítica e autoconsciência. Tanto é que me encontrei a investigar as variações religiosas existentes e encontrei os pacíficos Quakers, os obsoletos Amish, os divertidos Shakers e essa seita assustadora da A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmons). Essencial.

Curiosidade é que o director deste, Larry Charles foi o mesmo que fez Borat.

Visto nas Vasco Sessions . former MAL HQ

Links |