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terça-feira, 5 de novembro de 2013

I'M STILL HERE




















Alguém me comentava em exaspero de momento que o I'm Still Here é um pouco original e (como tal) oco engano, alinhando-o numa linha de enganos onde encontramos também Milli Vanilli e o radiofónico The War of the Worlds de Welles. Mas é ao traçar uma breve história do logro no cinema que lhe dou a volta e vejo como este primeiro filme de Casey Affleck se torna bastante interessante: é um exercício do logro que suplanta o filme em si (o que se vê em District 9 e nos Zelig, This Is Spinal Tap e até Czech Dream) e se prolonga a toda uma montagem exterior a esse – extende-se a uma maquinação da fraude construída para fazer valer melhor o filme e o logro na tela, estratagema bem lançado no The Blair Witch Project de Myrick e Sánchez de 1999 e no mais recente Cloverfield de 2008, produzido por J.J. Abrams. 

O I'm Still Here inscreve-se no género de mockumentary e mostra Affleck gravitando em torno de Joaquin Phoenix, documentando o seu percurso desde que anunciou a sua desistência da carreira de actor em 2008 para enveredar por uma de rapper, intercalando dolorosas actuações ao vivo com a perseguição ao rapper P. Diddy. O filme vai mostrando as suas derrotas com um à vontade de queda encenada e o logro é construído ao longo deste período de tempo com comunicados e ainda uma descerebrada ida ao The Late Show do Letterman, que seria muito celebrada no You Tube, contribuindo para o crescer do mito que foi atapetando a chegada do filme.

Num meio tão crítico quanto céptico que é a audiência actual uma experiência destas acolhe sementeira fácil; colheu descrédito e crença, contribuindo a discussão para fomentar realmente aquilo que se pretendia: ruído, curiosidade, dinâmica de grupo, efeitos virais e contaminações boca-a-boca. O filme é um magnífico stunt publicitário fílmico que sobreveio a questões como: será que o actor quer realmente deixar de o ser? É a manobra necessária para recuperar a carreira descendente de Phoenix? Estava essa carreira realmente acabada? Poder-se-á deixar totalmente Hollywood depois de se lhe alcançar o topo? A experiência desculpabiliza uma fraude? Foi uma experiência ou uma ida ao inferno? 

O filme torna-se circular em eterno retorno de um logro matrioshka e como tal é uma ferramenta poderosa de percepção de muitos mecanismos actuais, como sejam a força dos media e a facilidade de persuasão das massas. Há – claro – diversos sinais dentro do filme e nos créditos finais que dão a chave para a veracidade do filme, assim também como o mais recente regresso de Phoenix ao Late Show e comentários públicos de Letterman. No entanto a dúvida persiste e deixa gosto de bom filme a pairar nos sentidos: é Phoenix renascido realmente e foi o filme alavanca para tal ou foi personagem que representou tão fielmente como um infiltrado?

Rafael Vieira 2011, publicado na revista TAKE n26 

Ficha técnica:

Título original: I'm Still Here
Realizador: Casey Affleck
3 actores: Joaquin Phoenix, Sean "P. Diddy" Combs, Casey Affleck

Votação : 4

Frase : Poder-se-á deixar totalmente Hollywood depois de se lhe alcançar o topo – uma manobra ou uma ida ao inferno? É sobretudo um magnífico filme-experiência.

Link : www.imstillheremovie.com

DEIXA-ME ENTRAR (anglo-americano)




intro

O filme anglo-americano Let Me In (2010) não poderia ser introduzido sem lhe referir a ascendência sueca, ou seja, a parelha livro/filme escritos por John Ajvide Lindqvist que lhe serviram de base e com título internacional de Let The Right One In (filme por Tomas Alfredson de 2008 que teve estreia comercial em Portugal sob o nome Deixa-me Entrar). Este é um mais do que assumido orgulhoso remake em que a história e as personagens são adaptadas para o público americano e com ele todos nós: qualquer obra de sucesso em cinema que não anglófona será eventualmente adaptada.

corpo da crítica

Let Me In (e o original) não se esgotam em pulsões sanguíneas ou carótidas de horror devidas a um filme de género e não se poderá classificá-lo simplesmente como de filme de vampiros ou como apenas de terror. O nome titulado refere-se à regra de que os vampiros têm que ser convidados para entrar em qualquer habitação, mas o leitor não precisa de um convite explícito para um filme em que os vampiros são apenas mais um dado secundário do que a espinha dorsal.

Há muito mais aqui e o convite para entrar acaba por ser para o de penetrarmos dentro da inocente história de amor (e de afeição e profunda e crescente amizade) entre dois adolescentes, Owen e Abby, ele um rapaz solitário e acossado por bullying na escola e ela, à primeira vista uma rapariga normal, mas que com o crescimento da história se revelará como vampira. As relações pessoais são o mais inocentes possível e o ser vampira é encarado com uma naturalidade desarmante e pouco habitual em filmes de morder o pescoço - a um momento Abby usa os seus poderes sobre-humanos para ajudar Owen e poderá ser que o crescimento encontre aqui uma excelente imagem para a sua evolução, via perda de inocência por via de sangue derramado e uma relação (amorosa/platónica, talvez). Este filme é uma variante à tragédia de Romeu & Julieta, mas onde esta surge de canino afiado.

Lindqvist volta a assinar o argumento mas desta feita a meias com o também realizador Matt Reeves (do magnífico Cloverfield, 2008). Assumido o remake substituíram-se os nomes dos personagens para uns que surjam mais confortáveis ao ouvido anglófono (das duas personagens centrais de Oskar e Eli para Owen e Abby) e foi também deslocada a acção, de Estocolmo para o Novo México. Associado a um maior budget são esperados melhores e maiores sustos ou, ao menos, uns mais esforçados e credíveis momentos a um filme que já se prolonga em franchise, com já uma prequela saída em comic e uma séria hipótese de sequela. Estreia a 21 deste mês para apontar as diferenças.

Rafael Vieira, 2010, publicado na Magazine HD n5, de Outubro de 2010, pág. 34 (suplemento Take)

Ficha técnica ::

título original :: Let Me In
realizador :: Matt Reeves
Actores (3) :: Chloe Moretz, Kodi Smit-Mcphee e Elias Koteas

SHUTTER ISLAND
























intro

Shutter Island (2010) pode ser resumido e rotulado como um filme não-Scorsese, mas tal opinião será sempre redutora perante a obra – até porque o que não é alheio a todas as áreas de criação é a inovação; que surge naturalmente acompanhada com irregularidades na qualidade e lado a lado com uma aceitação intermitente pela crítica e pelo público. O último filme de Scorsese é um objecto estranho na sua obra, mas não é por isso que se classifica como um mau filme, nem por sombras.

crítica

Compramos o último cd de uma determinada banda que já conhecemos e gostamos porque lhe identificamos um estilo e é pela continuidade desse que não abdicamos de termos o seu último trabalho. Qualquer alteração a esse estilo será sempre acompanhado com alguma estranheza. O mesmo se passa no cinema e se em David Lynch o magnífico Uma História Simples (The Straight Story - 1999) constituiu uma quebra consciente com a linha do realizador, Shutter Island não é nem uma quebra óbvia nem sequer uma consciente afirmação da diferença na sua filmografia. Ang Lee prova filme após filme que se pode abdicar absolutamente dum estilo vincado e continuar a fazer bom cinema, saltitando entre obras magníficas e tão diversas como Comer Beber Homem Mulher (Yin Shi Nan Nu - 1994) ou O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain - 2005).

Mas se a crítica e o público se dividiu na recepção ao filme de Scorsese, apelidando-o (a vezes em tom pejorativo) de bizarro, não é sem lhe conhecer a carreira que se pode afirmá-lo de ânimo leve. Martin Scorcese é dos mais consagrados realizadores vivos, responsável por obras primas do cinema como Taxi Driver (1976), O Touro Enraivecido (Raging Bull - 1980) ou Os Cavaleiros do Asfalto (Mean Streets – 1973) onde se encontra uma marca de autor independente, mas deambulou também por filmes onde tal se perde e onde existe um óbvia concessão ao entretenimento e ao establishment como O Aviador (The Aviator - 2004) e Gangs de Nova Iorque (Gangs of New York – 2002). Ao tentar colar-lhe um estilo não pode deixar de se dizer que a sua obra é, não irregular, mas infinitamente versátil - Casino (1995) está, na forma, a milhões de anos-luz de O Cabo do Medo (Cape Fear - 1991). Dito isto, Shutter Island surge menos como o percalço que se assumiu pela pena de alguma crítica e mais como um outro grande filme de Scorsese.

Em Shutter Island desenvolve Scorsese uma história tensa a partir de um argumento intricado que é filmado como se fosse um jogo de plataformas ou um RPG – existe sempre algo a desvendar numa personagem ou algo camuflado por detrás de uma parede. A atmosfera que o realizador proporciona é claustrofóbica e bem ao género dos livros de Paul Auster, entremeados a espaços com sequências de sonho devedoras a Lynch (importa dizer que os produtores iniciaram este projecto tendo em vista David Fincher como realizador). O mais que se encontra como definitivamente característico de Scorsese é a personagem central de Teddy Daniels, tortuoso e sofredor como o fora também Travis Bickle ou Jake LaMotta – a história centrada num homem honestamente disfuncional e quase anti-herói é recorrente em Scorsese. Esta figura central é intepretada por Leonardo DiCaprio num dos melhores papéis da sua carreira (será talvez o novo actor fetiche de Scorsese após De Niro).

Na sequência inicial é-nos revelado que o U.S. Marshall Teddy Daniels e o seu colega Chuck são destacados para resolver o desaparecimento de uma paciente do hospital psiquiátrico para criminosos de Ashecliffe, na ilha de Shutter ao largo de Boston (espaços e geografia são fictícios, tudo foi colado através de CGI e em pós-produção). A instituição assemelha-se a Arkham do Batman de Bob Kane e a ilha, fortaleza-prisão inexpugnável, recorda a Ilha do Diabo presente em Papillon (Papillon – 1973) ou até Alcatraz. O cenário de pequeno universo isolado de ilha-prisão é o ideal ao proporcionar uma densa teia de intrigas e de segredos, que vão sendo desmontados por Daniels enquanto a investigação se desenvolve.

O ambiente não é simpático e romântico como nos filmes de prisão de Frank Darabont (Os Condenados de Shawshank e À Espera de um Milagre, de 1994 e 1999, respectivamente) e o que Daniels descobre é menos conclusivo sobre a investigação e acaba por ser mais revelador do seu passado conturbado por traumas sobre a morte da mulher, sobre a sua presença na libertação do campo de concentração de Dachau e sobre a motivação verdadeira para a sua presença em Ashecliffe. As memórias do seu passado são imprecisas e sobrepõem-se com o crescer do filme – tal como a memória volátil do Valsa com Bashir de Ari Folman (Waltz with Bashir – 2008).

Acabamos por entrever que a investigação de Daniels mais do que tentar em resolver o caso da doente desaparecida, se direcciona a resolver o puzzle que é o seu passado (e percebemos depois, também o seu presente) – assim os fluxos de realidade ou sonho cruzam-se e complementam-se, convergindo num final que certamente arrebatará qualquer cinéfilo que se preze, clarividente ou não.

A identidade fílmica de Scorsese sai intacta num filme de grande qualidade, que conta com um excelente argumento burilado ao nível dos melhores livros/filmes policiais e com consistentes interpretações – além de Di Caprio destaco também Ben Kingsley num forte papel. O final – e longe de mim colocar aqui spoilers – será revelado na tela em todo o seu esplendor e certamente também nas horas seguintes de reflexão e ressaca do filme, em que todos os pequenos detalhes e aparentemente pouco importantes gestos mostrados desde o seu início, terão toda a devida justificação, fechando a deliciosa charada que é este filme.

Rafael Vieira 2010, publicado na Magazine HD, n1 (suplemento Take)

Nota 4