terça-feira, 5 de novembro de 2013

ACONTECEU NO CINEMA, OU ERA UMA VEZ O SPAGHETTI WESTERN


intro

Uma apreciação sobre aquela que é encarada como a obra-prima Spaghetti Western de Sergio Leone, o Aconteceu no Oeste (C'era una Volta il West - 1968) abre todo um imaginário sobre esse sub-género muito característico. Longe de se resumir na obra de Leone (filmes que no entanto o representam orgulhosamente), foram realizados por produtoras europeias quase 600 (segundo algumas fontes, 558) Westerns sobretudo entre 1961 e 1973, após o que o género se foi diluindo lentamente.

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Chamados também de Italo-Westerns (ou Eurowesterns) são mais reconhecidos pela expressão de Spaghetti Westerns – designação que servia a todos os Westerns financiados e produzidos na Europa (na sua larga maioria em Itália) e que terá sido cunhada pelos críticos americanos para a ridicularizar. É irónico verificar que foi o eurowestern o responsável pelo revitalizar de um género que então rapidamente decaía em Hollywood.

A sede dos espectadores europeus por entretenimento que mostrasse o Old West americano levou a que naturalmente a indústria fílmica europeia abandonasse os já esgotados filmes sword and sandal (pepla films) que frutificaram nos anos 50 e inícios dos 60 e concentrassem a sua pequena máquina a produzir Westerns (o mundo do cinema é de paixões cíclicas e circulares). A primeira produção citada como Spaghetti Western foi o Tierra Brutal / Savage Guns (1961) produção conjunta espanhola e inglesa, realizada por Michael Carreras e que reunia muitas das características que viriam a ser representativas do género: filmes de muito baixo orçamento quanto comparados com os americanos, filmados no Sul de Espanha no deserto de Tabernas perto de Almería, com equipa técnica europeia e um punhado de actores americanos. Uns quantos foram filmados no sul de Itália mas seria em Espanha e também as produções italianas ou conjuntas italianas/ espanholas que seriam mais prolíficas (se bem que as produções alemãs tenham sido também em número considerável). É interessante reparar que muitos dos filmes (devido ao cenário desértico do set e aos figurantes espanhóis e italianos imediatamente disponíveis – e que podiam facilmente ser tomados por mexicanos) se passavam em situação de fronteira americana. 

De notar também que estes filmes eram filmados em silêncio, sendo depois adicionados em estúdio a banda sonora, os diálogos (a maior parte dos actores italianos eram curiosamente também dobrados para italiano) e o som ambiente (os característicos spaghetti sounds). Longe de ter lançado o género, foi com Sergio Leone que este atingiu as proporções que o elevariam a culto. Com Por Um Punhado de Dólares (Per un pugno di dollari – 1964), adaptado de Yojimbo de Kurosawa, Leone obteve excelentes resultados de bilheteira e opinião crítica favorável tanto na Europa como nos Estados Unidos, permitindo-lhe fazer uma primeira e uma segunda sequela que juntas formam a Trilogia dos Dólares ou Trilogia do Homem Sem Nome: Por Uns Dólares Mais (Per Qualche Dollaro in Più 1965) e O Bom, O Mau e o Vilão (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo – 1966). Nesta trilogia introduziu a personagem do Homem Sem Nome, um misto de anti-herói e caçador de prémios, solitário, silencioso e a vezes justiceiro, interpretado por um jovem actor chamado Clint Eastwood, numa fórmula que seria repetida inúmeras vezes nos anos seguintes.

A ideia fundamental era sempre o entretenimento, mas com Leone densificaram-se as personagens e a estrutura do filme passou a conter questões políticas e sociais. É dado o crédito aos Spaghetti Western de terem desmistificado o Western clássico americano – que na origem era romântico, bucólico e de algum modo feliz – tornando-o negro, sombrio, decadente e sem esperança. Leone pretendeu fechar este seu ciclo de Westerns com o filme que é, reconhecidamente, a sua obra-prima (ainda que O Bom, O Mau e O Vilão seja mais conhecido), o Aconteceu no Oeste (C'era una volta il West – 1968) onde contava já com um budget comparável a Hollywood e onde ensaiou um toque de finados pelo género.

Acidentalmente ainda dirigiu mais dois Spaghetti Westerns, o Aguenta-te, Canalha (Giù la Testa – 1971) e o O Meu Nome é Ninguém (l mio nome è Nessuno -1973), este a meias com Tonino Valerii. Aconteceu no Oeste, Aguenta-te, Canalha e o Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America – 1984) viriam a ser reunidos numa trilogia dedicada à América.

Longe de se resumir ao Aconteceu no Oeste, os Spaghetti Western têm neste o seu maior monumento. Aqui, a longa colaboração de Leone com Ennio Morricone atingiu níveis de excelência que levou inclusivamente a que as cenas fossem coreografadas ao som da banda sonora. Sergio Leone tornou-se a epítome do género, sendo responsável pela sua explosão em qualidade e quantidade, levando até a uma reversão na aceitação por parte da crítica americana e tornando-se referência para muitos filmes posteriores saídos de Hollywood. Filmado como uma ópera Western e sendo de certa maneira uma evocação à disputa entre as 3 personagens de O Bom, O Mau e o Vilão, introduzindo o motivo da vigança (que faria escola), em Aconteceu no Oeste Leone revela toda a sua maturidade fílmica. Os longos silêncios e o ritmo pausado e introspectivo marcaria uma intenção de mostrar a decadência do Velho Oeste e ascendência do caminho de ferro sobre as padarias. Os close ups nas cenas de tiroteio e os longos silêncios intercalados por som ambiente dão ao filme um ritmo perfeito em que o mais marcante não é o que acontece, mas o que se adivinha como eminente.

Sergio Leone foi responsável pela construção parcial de 3 sets no Deserto de Tabernas, Almería que seriam utilizados frequentemente nas filmagens dos Spaghetti Westerns (Texas Hollywood, Mini Hollywood e Western Leone) – sendo que Aconteceu no Oeste seria um dos poucos a ser também filmado nos Estados Unidos, no Monument Valley, tão precioso a John Ford.

Os filmes de Leone fizeram escola em Hollywood e tornaram-se referência explícita para os filmes de Clint Eastwood: O Pistoleiro do Diabo (High Plains Drifter – 1973), O Rebelde do Kansas (The Outlaw Josey Wales – 1976), O Justiceiro Solitário (Pale Rider – 1985) e Imperdoável (Unforgiven – 1992), para Sam Raimi: Rápida e Mortal (The Quick and The Dead – 1995), para Tarantino (saga Kill Bill – 2003/04), para Robert Rodriguez: na Trilogia do El Mariachi (El Mariachi, Desperado e Once Upon a Time in Mexico – 1992, 1995 e 2003) e os Irmãos Coen no Este País Não é Para Velhos (No Country For Old Men – 2008).

Para um profundo mergulho dentro do género, espreitem o sítio : www.spaghetti-western.net

Rafael Vieira 2010, não publicado

Filmes comentados ::


Michael Carreras Tierra brutal / Savage guns (1961)


Sergio Leone

Por um punhado de dólares // Per un pugno di dollari (1964)
Por uns dólares mais // Per qualche dollaro in piú (1965)
O Bom, o Mau e o Vilão // Il buono, Il brutto, Ill cattivo (1966)
Aconteceu no Oeste // C'era una volta il West (1968)
Aguenta-te, Canalha // Giù la testa (1971)
O Meu Nome é Ninguém // Il mio nome è Nessuno (1973) (co-realizado com Tonino Valerii)
Era uma Vez na América // Once upon a time in America (1984)


Akira Kurosawa
Yojimbo, O Invencível // Yojimbo (1961)

Clint Eastwood

O Pistoleiro do Diabo // High plains drifter (1973)
O Rebelde do Kansas // The Outlaw Josey Wales (1976)
O Justiceiro Solitário // Pale Rider (1985)
Imperdoável // Unforgiven (1992)


Robert Rodriguez 

El Mariachi (1992)
Desperado (1995)
Once upon a time in Mexico (2003)


Ethan Coen
Este País Não é Para Velhos // No country for old men (2008) 

Tarantino Kill Bill I & II (2003/2004)
Sam Raimi Rápida e Mortal // The quick and the dead (1995)

Bibliografia ::


NUDGE, John. Spaghetti Westerns. 1998. in Imagesjournal.com.

Base de dados ::

1 | http://www.wildeast.net/spaghettiwestern.htm
2 | http://www.spaghetti-western.net

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